Para o senso comum as expressões “é peça de museu”, “só presta para museu” e “virar peça de museu” estão carregadas de sentidos negativos. Referem-se não somente as pessoas, fatos, símbolos, modos de pensar, costumes, saberes, técnicas e formas de expressões culturais; a objetos e utensílios do cotidiano que caíram em desuso, por ultrapassados; mas no extremo significam algo imprestável , decrépito, velharia sem serventia a que bem assenta ser coberta por camadas de pó e de teias de aranhas quando não, pela sombra e pelo mofo. O museu seria assim, o lugar do tempo passado; de um passado estático, congelado, destituído de sentido e sem vida.
O Museu do Homem do Nordeste invoca a si um outro conceito de museu. Através da exposição Nordeste: territórios plurais, culturais e direitos coletivos mostra-se ao estudante, ao visitante e ao pesquisador, como um lugar de encontro com o passado sim; mas com um passado vivo, pulsante, transpassado de memória subjetiva e coletiva e, portanto de afetividade, de sentimento e de energia criativa e transformadora. E mais, reserva a si a condição de ser também um lugar destinado ao encontro com o tempo presente. Um lugar em que possamos nos defrontar com nós mesmos, com o que somos, com o que sonhamos ser e com a imagem que fazemos de nós e do outro. Nesse embate entre o passado e o presente, entre os nós e os outros, reside a possibilidade de surgir o novo, de nos desprendermos de conceitos arraigados e de dar-se a criação.
O Museu do Homem do Nordeste se propões, assim, a ser um lugar em que possamos refletir sobre a própria instituição “museu”, como também sobre a região Nordeste e o Brasil. Em que indaguemos sobre o que particularizaria e identificaria o Nordeste, além de possuir uma língua comum e um território histórica e geograficamente definido? Em que perguntemos sobre o que poderia unir e identificar tantos homens, mulheres e crianças que habitam ou que habitaram a Região: pessoas aparentemente diferentes e mesmo desiguais entre si: índios, não-índios, quilombolas, sertanejos, litorâneos, cosmopolitas, provincianos, pobres e ricos? E, sobretudo, a perguntar se haveria algum sentimento comum que os faça perceberem-se, sentirem-se e afirmarem-se como nordestinos ou a serem vistos enquanto tal por aqueles que se consideram diferentes?
Não nos propomos a dar respostas definitivas – se é que elas existem – sobre a questão nordeste e o ser nordestino, mas sim, a convidá-lo para, juntos, vivenciarmos essa aventura cognitiva e afetiva pelo Nordeste.
Rita de Cássia Barbosa de Araújo
Diretora de documentação.
É com grande satisfação que trago à público esse texto brilhante que aborda o conceito de Museu sob uma nova perspectiva. No Museu do Homem do Nordeste, na Fundação Joaquim Nabuco, esse texto introduz ao mote da exposição permanente sobre o Nordeste, sobre o que é ser nordestino, se as referências visuais em relação a esse tema sempre nos remete a um ser humano sofrido do sertão - da seca - de onde surge o arquétipo desse nordestino idealizado...
A fotografia que ilustra o texto (retirada por mim) também é uma informação interna do Museu do Homem do Nordeste. Ela, através de um jogo de luz, permite captar momentos de duas superfícies diferentes, ao mesmo tempo em que revela a ligação entre esses dois objetos durante o período colonial: É o "vira-mundo", uma "algema" que prendia simultaneamente punhos e pernas dos escravos, daí o nome, uma vez que nessa posição - mãos e pés presos e muito próximos - podiam virar-se ao ponto de parecer um bola. Em sua frente situa-se um açucareiro de ouro, cravado de pedras preciosas. E frente a frente, os objetos dialogam e contam que o sistema de escravidão foi quem esteve por trás do enriquecimento e manutenção das riquezas naquela época.
Para os interessados, o Museu do Homem do Nordeste todo 3º Domingo do mês permite a entrada gratuita. Fica localizado na Av. 17 de Agosto, 2187 - Casa Forte · Recife · PE. Fone 81 3073 6340 - 3073 6332, email: museudohomemdonordeste@fundaj.gov.br